Archivo

Archive for junio 16, 2009

UN AÑO CON PESSOA – DÍA 4

UN AÑO CON PESSOA – DÍA 4 (16 DE JUNIO DE 2009)

1914


Ricardo Reis – Ao longe os montes têm neve ao sol,

A lo lejos los montes tienen nieve al sol
pero es ya suave el frío calmo
      que alisa y agudiza
      los dardos del alto sol.
Hoy, Neera, no nos escondamos,
nada nos falta, porque nada somos.
      No esperemos nada
      y tenemos frío al sol.
Pero tal como es, gocemos el momento,
solemnes en la alegría levemente,
      y aguardando la muerte
      como quien la conoce.

Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
      Que alisa e agudece
      Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
      Não esperamos nada
      E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
      E aguardando a morte
      Como quem a conhece.


16-6-1914

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). §25.

Ricardo Reis – Diana através dos ramos

Diana entre las ramas
anuncia la venida de Endymion
      Endymion que nunca viene,
      Endymion, Endymion,
      a lo lejos en el bosque…
Y su voz clamando
      exclama a través de las ramas
      Endymion, Endymion…
      Así lloran los dioses…

Diana através dos ramos
Espreita a vinda de Endymion
      Endymion que nunca vem,
      Endymion, Endymion,
      Lá longe na floresta…
E a sua voz chamando
      Exclama através dos ramos
      Endymion, Endymion…
      Assim choram os deuses…


16-6-1914

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. §70.

Ricardo Reis – Pobres de nós que perdemos quanto

Pobres de nosotros que perdemos cuanto
sereno y fuerte nos daba la vida
      el modo único
el único modo humano de tenerla…
      Pobres de nosotros
niños huérfanos que mal recuerdan
      padre y madre
y van solos por la vida ciega
      sin tener cariño
      ni saber nada
de adónde vamos por el bosque,
ni de dónde venimos por fuera de la calle…
Y somos tristes, y somos viejos, 
      y siempre flacos…
      Sin que nos sirva…

Pobres de nós que perdemos quanto
Sereno e forte nos dava a vida
      O único modo
O único humano de a ter…
      Pobres de nós
Crianças orfãs que mal se lembram
De pai e mãe
E andam sozinhas na vida cega
Sem ter carinhos
Nem saber nada
De aonde vamos pela floresta,
Nem donde viemos pla estrada fora…
E somos tristes, e somos velhos,
      E fracos sempre…
      Sem que nos sirva…


16-6-1914

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. §69.

Ricardo Reis – Quando Neptuno houver alongado

Cuando haya Neptuno extendido
casi hasta los bosques por encima de la playa
sus brazos con ruidosas manos de espuma
      Y Eolo se haya
largado sobre el mar bajo el azul
      donde Apolo calienta
los caballos drescos de lso vientos leves,
      yo iré contigo
a pasear en la autora olorosa a mar
      de los (…) altos
Y a concluir que esta vida es poco
desde que los dioses
      fueron velados ty los hombres ingratos
los arrojaran todos lejos de los altares olvidados
      Los viejos ex-votos,
los ex-votos viejos que eran (…)
(…)
      Que Cristo y María
y antes de que la cruz pusiese a la desnudez
      a su cuidado
enfrentada al cielo siempre viejo y nuevo.

Quando Neptuno houver alongado
Até quase aos bosques ao cimo da praia
Os seus braços com mãos ruidosas de espuma
      E Éolo houver
Largado por sobre o mar sob o azul
      Onde Apolo aquece
Os cavalos frescos dos ventos leves,
      Eu irei contigo
Passear na altura cheirosa a mar 
      Dos (…) altos
E concluir que esta vida é pouco
Desde que os deuses
      Foram velados e os homens ingratos
Dos altares esquecidos tiraram todos
      Os ex-votos velhos,
Os ex-votos velhos que eram (…)
(…)
      Que Cristo e Maria
E de antes que a cruz pusesse a nudez
      Da sua secura
De encontro ao céu sempre velho e novo.


16-6-1914

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. §203.

Ricardo Reis – Só o ter flores pela vista fora

Sólo el tener flores a la vista
en las largas alamedas de los jardines exactos
      basta para poder
      encontrar la vida leve.
De todo esfuerzo mantendremos alejadas
las manos, jugando, para que no nos tome
      del pulso, y nos arrastre.
      y vivamos así.
Buscándo el mínimo de dolor o gozo.
Bebiendo a sorbos los instantes frescos,
      traslúcidos como agua
      en copas talladas,
de la pálida vida llevando apenas
las rosas breves, las sonrisas vagas.
      y las rápidas caricias
      de los instantes volubles.
Poco tan poco pesaré en los brazos
con que, exiliados de las supremas luces, 
      escogeremos de lo que fuimos
      lo mejor para recordar
cuando, acabados por las Parcas, seamos,
bultos solemnes de repente antiguos,
      Y cada vez más sombras,
      al encuentro fatal
del barco oscuro en el río subterráneo,
y los nueve abrazos del horror estígio,
      y el regazo insaciable
      de la patria de Plutón.

Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exactos
      Basta para podermos
      Achar a vida leve.
De todo o esforço seguremos quedas
As mãos. brincando, pra que nos não tome
      Do pulso, e nos arraste.
      E vivamos assim.
Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
      Translúcidos como água
      Em taças detalhadas,
Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
      E as rápidas caricias
      Dos instantes volúveis.
Pouco tão pouco pesarei nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
      Escolhermos do que fomos
      O melhor pra lembrar
Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
      E cada vez mais sombras,
      Ao encontro fatal
Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio,
      E o regaço insaciável
      Da pátria de Plutão.


16-6-1914

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). §26.

 

1927


Ricardo Reis – Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas

Cuando vea yo al sol lucir en las hojas
Y sienta toda la brisa en los cabellos
      No querré nada más.
¿Qué puede concederme el Destino
mejor que el lapso sensual de la vida
      entre estas ignorancias?
Verdaderamente sabio el que no busca,
que, buscando, encontrará el abismo en todo
      y la duda en sí mismo.
Ponemos la duda allí donde hay rosas. Damos
casi todo del sentido a entenderlo
      e ignoramos, pensativos.
Nos extraña la naturaleza extensa
que ondula campos, abre flores, colora
      frutos, y llega la muerte.
Tendré razón, si a alguien la razón es dada,
cuando la muerte me nuble la mente
       y ya no vea más
que a la razón de saber porqué vivimos
no hallaremos nosotros ni encontrar se debe,
      impropicia y profunda.

Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
      Não quererei mais nada.
Que me pode o Destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
      Entre ignorâncias destas?
Sábio deveras o que não procura,
Que, procurando, achara o abismo em tudo
      E a dúvida em si mesmo.
Pomos a dúvida onde há rosas. Damos
Quase tudo do sentido a entendê-lo
      E ignoramos, pensantes.
Estranha a nós a natureza extensa
Campos ondula, flores abre, frutos
      Cora, e a morte chega.
Terei razão, se a alguém razão é dada,
Quando me a morte conturbar a mente
      E já não veja mais
Que à razão de saber porque vivemos
Nós nem a achamos nem achar se deve,
      Impropícia e profunda.


16-6-1927

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. §119.

 

1928


Álvaro de Campos – NOCTURNO DE DIA

NOCTURNO DE DÍA

… No: lo que tengo es sueño.
¿Qué? tanto cansancio por causa de las responsabilidades,
tanta amargura por causa tal vez de no ser célebre
tanto desarrollo de opiniones sobre la inmortalidad…
lo que tengo es sueño, mi viejo, sueño…
Déjenme al menos tener sueño; ¿quién sabe que más tendré?

NOCTURNO DE DIA

…Não: o que tenho é sono.
O quê? Tanto cansaço por causa das responsabilidades,
Tanta amargura por causa de talvez se não ser célebre
Tanto desenvolvimento de opiniões sobre a imortalidade…
O que tenho é sono, meu velho, sono…
Deixem-me ao menos ter sono; quem sabe que mais terei?


16-6-1928

Álvaro de Campos – Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. §88.

 

1932


Ricardo Reis – Severo narro. Quanto sinto, penso.

Severo narro. Cuanto siento, pienso.
Las palabras son ideales.
Murmullo, el río pasa, y lo que no pasa,
que es nuestro, no del río.
Así quisiese el verso: mío y ajeno
y por mi mismo leído.

Severo narro. Quanto sinto, penso.
Palavras são ideias.
Múrmuro, o rio passa, e o que não passa,
Que é nosso, não do rio.
Assim quisesse o verso: meu e alheio
E por mim mesmo lido.


16-6-1932

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). §143.

Ricardo Reis – Flores amo, não busco. Se aparecem

Las flores amo, no busco. Si aparecen
Me alegro, pues en buscar placeres está
      el displacer de la búsqueda.
Sea la vida como el sol, que es dado,
No arranquemos flores, pues, arrancadas
      no son nuestras, sino muertas.

Flores amo, não busco. Se aparecem
Me agrado ledo, que há em buscar prazeres
      O desprazer da busca.
A vida seja como o sol, que é dado,
Nem arranquemos flores, que, arrancadas
      Não são nossas, mas mortas.

16-6-1932

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. §163.

Fernando Pessoa – [Cartas a João Gaspar Simões – 16 Jun. 1932 ]

Apartado 147.

Lisboa, 16 de Julio de 1932.

Mi querido Gaspar Simões:

Quise escribirle en tanto recibí y leí el último numero da Presença, pero he estado enfermo y sólo ahora tengo ocasión de escribirle.

Lo felicito, sinceramente, por su respuesta a António Sérgio. Tiene vigor y lógica; es mucho más concentrada e intensa, aunque sea más extensa, que la primera. No veo, de hecho, cuál es el motivo ― a no ser que fuesela extensión lo fuese ― que llevó a Seara Nova a no incluir ese artículo. Es cierto que, aquí y allí, es contundente con Sérgio; no lo es, sin embargo, más de lo que lo fuera su artículo. Y, sea como fuere, no excede las normas en que fue formulada la cuestión.

Para mí, en estas cosas, es preferible ver la frialdad absoluta, que trata al adversario como si él fuese tan sólo lo que escribió. Así, hasta le recordé (lo que pido me excuse) que debería ser ese su tono al responder. Reconozco, no obstante, después de leer su artículo, que aceptó la cuestión en el campo en el que ella fue formulada, lo que bajo ninguna hipótesis podría resultar mal.

Me gustó mucho, además, de todo el número de Presença, la inclusión de los reparos de Adolfo Casais Monteiro a mi prefacio para Acrónios. Tal vez haga una breve nota esclareciendo lo que él me pide que esclarezca. En este momento, sin embargo, tengo aún reflejos de la enfermedad que tuve, y, además, prohibido por el médico trabajar mucho. No es que la Nota Explicativa exija mucho espacio o tiempo; lo que exige es disposición, y esa, por el momento, me falta.

Créame el amigo y admirador suyo de siempre.

Fernando Pessoa

Apartado 147.

Lisboa, 16 de Julho de 1932.

Meu querido Gaspar Simões:

Queria escrever-lhe logo que recebi e li o último número da Presença, mas tenho estado doente e só agora tenho ocasião de lhe escrever.

Felicito-o, e é como sinceridade, pela sua resposta ao António Sérgio. Tem vigor e lógica; é muito mais concentrada e intensa, apesar de maior, do que a pri meira. Não vejo, de facto, qual o motivo ― a não ser que a extensão o fosse ― que levou a Seara Nova a não inserir esse artigo. E certo que, aqui e ali, é contun dente para o Sérgio; não o é, porém, mais do que o artigo dele fora. E, seja como for, não sai fora das nor mas em que a questão foi posta.

Por mim, em coisas destas, prefiro ver a frieza abso luta, que trata o adversário como se ele fosse só o que escreveu. Assim, até lhe lembrei (o que peço me releve) que deveria ser esse o seu tom ao responder. Reconheço, porém, depois de ler o seu artigo, que aceitou a questão no campo em que lha puseram, o que em nenhuma hipó tese se lhe poderá levar a mal.

Gostei muito, aliás, de todo o número da Presença, incluindo os reparos do Adolfo Casais Monteiro ao meu prefácio a Acrónios . Talvez faça uma breve nota escla recendo o que ele quer que eu esclareça. Neste momento ainda estou sob os reflexos da doença que tive, e, aliás, proibido pelo médico de trabalhar muito. Não que a Nota Explicativa exija muito espaço ou tempo; o que exige é disposição, e essa, por enquanto, falta-me.

Creia-me o amigo e admirador de sempre.

Fernando Pessoa.


16-6-1932

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982). §88.

 

1934


Álvaro de Campos – Esta velha angústia,

Esta vieja angustia,
Esta angustia que hace siglos traigo en mí,
desbordó la vasija,
en lágrimas, en grandes imaginaciones,
en sueños al estilo de una pesadilla sin terror,
en grandes emociones súbitas sin sentido alguno.
Desbordó.

¡Mal sé como conducirme en la vida
con este malestar haciéndome prenses en el alma!
¡Si al menos me enloqueciese de verdad!
Pero no: es este estar entre,
esta casi,
este poder ser que…,
Esto.
Un interno en un manicomio es, cuando menos, alguien,
yo soy un internado en un manicomio sin manicomio.
Estoy loco del frío,
estoy lúcido y loco,

estoy ajeno a todo e igual a todos:
estoy durmiendo despierto con sueños que son locura
porque no son sueños
estoy así…
¡Pobre casa vieja de mi infancia perdida!
¡Quién te diría que yo me desacojería tanto!
¿Qué ha sido de tu niño? Enloqueció.
¿Qué ha sido de quien dormía tranquilo bajo tu techo provinciano?
Enloqueció.
¿Qué ha sido de quien fuí? Enloqueció. Hoy es quien yo soy.
¡Si al menos yo tuviese una religión cualquiera!
Por ejemplo, hacia aquel manipanso(*)
que había en casa, allá en ella, traído de África.
Era feísimo, era grotesco,
mas había en él la divinidad de todo aquello en que se cree.
Si yo pudiese creer en un manipanso cualquiera―
Júpiter, Jehová, la Humanidad―
Cualquiera serviría,
¿Pues qué es todo sino lo que pensamos de todo?
¡Estalla, corazón de vidrio pintado!

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos
Estou assim…
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!


16-6-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). §54.

(*) “manipanso” es un ídolo o fetiche africano. La voz portuguesa tiene raíz en la lengua congolesa quicongo y formada por las raíces “muene” que significa “señor” y “mpanzu” que corresponde al nombre de un clan que gobernó durante muchos años en el Congo. En sentido figurado, y en atención a la forma de dichos fetiches, este sustantivo es usado en portugués para designar a un hombre bajo y panzudo. Por no conocer una voz equivalente en español, se ha decidido conservar la palabra portuguesa de orígen africano en la traducción.

Álvaro de Campos – Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,

En la casa del frente mío y de mis sueños,

¡Qué felicidad hay siempre!
Moran allí personas que desconozco, que ya vi pero no vi.
Son felices, porque no son yo.
Los niños, que juegan en las altas salientes,
viven entre vasos de flores,
sin duda, eternamente.

Las voces, que asciendes desde el interior doméstico,
cantan siempre, sin duda.
Sí, deben cantar.
Cuando hay fiesta acá afuera, hay fiesta allí dentro.
Así tiene que ser donde todo se ajusta ―
el hombre a la Naturaleza, porque la ciudad es Naturaleza.
¡Qué gran felicidad no ser yo!
Pero los otros ¿no lo sentirán igual?
¿Cuáles otros? No hay otros.
Lo que los otros sienten es una casa con la ventana cerrada,
O, cuando se abre,
es para que los niños jueguen en la balaustrada,
entre los vasos de flores que nunca ví cuáles eran.

Los otros nunca sienten.
Quien siente somos nosotros,
Sí, todos nosotros,
Hasta yo, que en este momento ya no estoy sintiendo nada.
¿Nada? No sé…
Una nada que duele…

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.

Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada? Não sei…
Um nada que dói…


16-6-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). §56.

Fernando Pessoa – Quem me amarrou a ser eu

Quién me amarró a ser yo
me hizo una gran partida (*).
Debajo de este amplio cielo,
no tengo llegada ni partida.
Soy apenas un ser mío.

Ni eso… Anda todo a la vuelta
retirándome de mí.
Parece una fiera suelta
este mundo que anda así
sirviéndome de mala escolta.

Cuando encuentre la verdad
ya veré si he de huir
por lo menos la mitad.
Después quedaré riendo
de mi tranquilidad.

Quem me amarrou a ser eu
Fez-me uma grande partida.
Debaixo deste amplo céu,
Não tenho vinda nem ida.
Sou apenas um ser meu.

Nem isso… Anda tudo à volta
A retirar-me de mim.
Parece uma fera à solta
Este mundo que anda assim
A servir-me de má escolta.

Quando encontrar a verdade
Hei-de ver se hei-de fugir,
Pelo menos em metade.
Depois ficarei a rir
Da minha tranquilidade.


16-6-1934

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). §105.

(*) “partida”, además de sus cognados españoles, tiene también el sentido de cada una de las partes en que el juego se divide o “jugada”